Autenticidade Zero: A Política das Aparências

07/04/2025

Em tempos de redes sociais e comunicação instantânea, eleitores enfrentam um desafio crescente: distinguir entre a imagem pública de um político e suas verdadeiras convicções. O fenômeno de líderes que "pegam carona" na popularidade de outros, mas governam de forma completamente diferente, tornou-se uma estratégia de comunicação política cada vez mais comum – e preocupante.

 

Como Funciona o Marketing Político de "Carona" no Brasil

 

Do "BolsoDoria" ao Governador Discreto: Dois Casos Emblemáticos

João Doria criou estrategicamente o termo "BolsoDoria" durante sua campanha para o governo de São Paulo. A tática garantiu a conquista do eleitorado conservador e sua vitória eleitoral. O resultado? Um rápido distanciamento de seu "padrinho político" assim que os objetivos foram alcançados.

Em contrapartida, Tarcísio de Freitas segue abordagem diferente. Publicamente mantém-se alinhado a Bolsonaro, enquanto nos bastidores do Palácio dos Bandeirantes preserva diálogo institucional e evita confrontos desnecessários.

 

"É um caso clássico de usar a marca para conquistar o eleitor, mas governar com outra mentalidade", explica um especialista em comunicação política que prefere manter o anonimato.

 

Políticos Brasileiros Que Mudaram de Posicionamento

 

O ano de 2022 revelou um desfile impressionante de trocas de lado no cenário político brasileiro:

  • Ciro Nogueira: Declarou "fico com Lula até o fim" em 2018, mas posteriormente assumiu cargo de ministro no governo Bolsonaro
  • Valdemar da Costa Neto: Ajudou a eleger Lula em 2002, mas abriu as portas do PL para Bolsonaro duas décadas depois
  • Pastor Silas Malafaia: Admitiu em suas redes: "Em 2002 e 2006, apoiei Lula", antes de se tornar um dos mais fervorosos defensores de Bolsonaro

Curiosamente, o próprio Bolsonaro já admitiu no plenário da Câmara ter votado em Lula em eleições passadas.

 

 

Fenômeno Global: Marketing Político Internacional

 

Este comportamento transcende fronteiras. Na França, Emmanuel Macron transitou de um governo socialista para implementar reformas liberais que geraram protestos significativos. No Canadá, Justin Trudeau construiu sua carreira inicial aproveitando o legado político de seu pai, Pierre Trudeau, mas desenvolveu abordagens distintivas em várias áreas.

 

A Ciência Por Trás do Marketing Político

 

"Na era digital, a autenticidade deveria ser a moeda mais valiosa na política", defende Seth Godin, renomado especialista em marketing. Contudo, observamos o oposto: estratégias cada vez mais sofisticadas para 'vender' políticos como produtos.

Daniel Kahneman, premiado com Nobel de Economia, explica o fenômeno: nosso cérebro cria associações emocionais rápidas entre figuras políticas, frequentemente ignorando inconsistências lógicas. Em termos simples: tendemos a acreditar no que queremos acreditar, não no que os fatos demonstram.

 

O Dilema do Eleitor: Marketing vs. Autenticidade

 

Como especialista em comunicação pública, acredito que essa dinâmica representa um risco significativo para a democracia:

"Posso jogar fora o tênis da Nike ao descobrir que ela utiliza trabalho escravo, mas como dispensar o deputado que elegi? Terei que ficar com ele por quatro anos, ou até eu esquecer o que ele fez e votar nele de novo."

Em uma sociedade onde buscamos conexões autênticas em todas as relações, a política não pode ser exceção:

"Não estamos escolhendo uma roupa ou um perfume, mas alguém que vai decidir nosso futuro. Precisamos conhecer quem realmente é essa pessoa."

 

Memória do Eleitor: Curta ou Longa?

 

Por que políticos continuam mudando de lado como se trocassem de camisa? A resposta tradicional sugere que o eleitor esquece rapidamente.

No entanto, especialistas em comportamento eleitoral alertam: com redes sociais e acesso ampliado à informação, essa estratégia tem vida útil cada vez mais curta.

"A política que se constrói sobre associações puramente instrumentais pode ganhar uma eleição, mas dificilmente sustenta uma carreira completa", avalia Robert Cialdini, pesquisador reconhecido em técnicas de persuasão.

 

O Papel do Eleitor Consciente

 

Para navegar neste complexo cenário político, o eleitor precisa:

  1. Pesquisar o histórico de posicionamentos do candidato
  2. Comparar discurso e prática governamental
  3. Avaliar consistência de valores ao longo do tempo
  4. Buscar fontes diversas de informação

 

Conclusão: Além das Aparências

 

No jogo das aparências políticas, a linha entre estratégia de comunicação legítima e manipulação ética pode ser perigosamente tênue. Como eleitores e cidadãos conscientes, nosso desafio é desenvolver um olhar cada vez mais crítico e informado.

A autenticidade na comunicação política não representa apenas uma questão ética — é um requisito fundamental para a saúde de nossa democracia na era digital.

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